segunda-feira, 25 de abril de 2011

A DIMENSÃO SOCIAL E POLÍTICA DO CONHECIMENTO

            A perspectiva de entendimento da dimensão social e política do conhecimento se estabelece a partir de um ponto central: a inexistência de um saber desinteressado.
            Tal dimensão confere uma leitura sobre o posicionamento dos intelectuais frente à vida e o contingente e em que medida o suposto isolamento dos intelectuais não se configura em um elemento ideológico que quer fundamentar sua produção como desinteressada e, por sua vez, ela mesmo como não ideológica.
            A centralidade do desinteresse se põe sob crítica imediata nos apontamentos aristotélicos quando da classificação e níveis e etapas do conhecimento. Ao considerar conhecimentos teóricos e práticos e ao definir etapas da sensação à reflexão pura, e identificar fases intermediárias e, dentre elas a linguagem, posicionam claramente o filósofo sua oposição aos sofistas. Para estes a opinião portanto, a linguagem, tem um papel importante no conhecimento, negada por Aristóteles. Como papel intermediário, trata-se de um conhecimento parcial, limitado, cuja trajetória se coloca de maneira incerta ou insuficiente.
            Evidencia este processo os embates políticos em que se envolviam nas assembléias e denota a clara intencionalidade aristotélica em sua classificação.
            Assim reconhecida a dimensão do interesse cabe refletir sobre os limites e formas de pensar o intelectual em seu envolvimento com as questões da vida e do contingente, pensado aqui como cotidiano, reconhecendo tratar-se de duas perspectivas com características distintas.
            De certa forma e com alguma prudência sobre estes elementos é que se instaura uma visão sobre o papel dos intelectuais e a sociedade.

Os intelectuais como categoria social.
            Pensar os intelectuais como categoria social distinta, remete-nos às considerações de Julien Benda (A traição dos clérigos) em que reconhece a atividade dos intelectuais sobre o cotidiano e a vida, mas requer que os mesmos se pautem por um isolamento, sob pena de desviarem-se de seu papel reflexivo e especulativo sobre o mundo, desviando-se de uma trajetória quase que límpida do saber.
            Não são diferentes as considerações de Mannhein, apontadas por Goldman, em que o filósofo alemão em Ideologia e Utopia defende uma tarefa particular dos intelectuais na construção de um consenso frente aos embates sociais e políticos, sem que se posicione, mas figure como classe ou categoria social isolada, em suas palavras: “livre flutuante”.
            De maneira similar Ortega y Gasset, chama a atenção dos intelectuais para um papel fundamental, vinculado à questão educacional em Espanha, qual seja de serem educadores das massas. Uma perspectiva de articulação do intelectual à sociedade também defendido por Benedetto Crace, para o qual os intelectuais são depositários de uma cultura social que deve ser consolidada socialmente e politicamente, apontando diretrizes à sociedade.
            Nas perspectivas acima, ou existe um apelo ao isolamento ou ao engajamento social, doutrinário e messiânico, por assim dizer, mas que revelam uma idéia de negação de vida e cotidianidade social, materialidades concretas.
            Em Benda, por ver um caráter hedonista na vida comum e uma posição agnóstica em relação ao cotidiano, em sua visão à política. Em Mannhein, uma perspectiva idealista ao posicionar os intelectuais como categoria social distante de uma perspectiva de classes e conflitos também vividos por tal categoria. Em Ortega e Crace, por uma visão liberal de Estado e de cultura, respectivamente considerado, sobretudo para este último por sua trajetória partidária.
            Estes elementos, portanto, colocam de imediato fatores de negação à articulação por intelectuais ou de um nobre papel destes sujeitos sociais, com uma perspectiva de caráter platônico, literalmente reveladora do ícone da caverna. Os intelectuais como luzes, para uma sociedade que ou se encontra nos impasses dos conflitos sociais que ela determina social e historicamente, ou seus rumos para qual necessariamente, existe uma categoria social isenta, sejam dos pecados, para a pureza clériga, ou dos interesses para o alicerçamento de uma certa teleologia.
            Estes processos exigem considerações sobre o efetivo engajamento dos intelectuais à vida e à cotidianidade.

A intelligentsia – independência ou organicidade.
            Uma outra perspectiva deve ser empreendida, a de que os homens estão inseridos em uma espacialidade concreta. Os intelectuais disputam posições, tal como delineia a classificação aristotélica, disputam posições em um campo de lutas em uma espacialidade, como também define Bourdieau. Esse processo faz emergir um sentido preciso no conteúdo e na forma de produzir ciência e de se posicionar frente ao mundo o que destitui qualquer possibilidade de isolamento ou de uma possibilidade de antever (saídas?) sem protagonizar nova realidade social. Delimitando o que nos anos 50 e 60 do século passado se denominou de visão social de mundo, posição de classe.
            Esse processo faz reconhecer a impossibilidade de uma produção do conhecimento que não carregue o devir, uma dimensão de classe e um posicionamento político. Se for possível delimitar, neste caso estas questões não se figuram como tautologia.
            Este quadro teórico e metodológico resulta pois, em reconhecer sua unidade com o ideológico e faz sucumbir a perspectiva “insípida” e “inodora” do saber desinteressado, que protagoniza sem dizer o que faz, que educa nossa consciência sem a clareza ou a denúncia da intencionalidade e que se vincula ao poder e ao controle.
            Trata-se da amálgama dos poderes contemporâneos: o político pela opressão e poder suicidas; o poder econômico pela força e chantagem dos capitais e o ideológico como amálgama que reafirma uma lógica de existência no mundo.
            Uma intelectualidade, um saber homogêneo que se apresenta como mito, a racionalidade em si e se instaura como “expertise”. Os “expertos” como afirma Chonsky, traduzem o desconhecido, vivido cotidianamente, revela o óbvio e sintetiza a passividade social.
            Não é por acaso que os “expertos” cerram fileiras à frente de grupos de interesse, filiam sua notoriedade acadêmica a projetos de Estado, por interesse de classe ou cooptação reafirmam teses neoliberais e o capital, como modo de ser, em negação ao trabalho em sua inexorável trajetória.
            Carregam em si um elemento tecnicista, “técnicos do saber” como afirma Sartre, que consolidam comportamentos e visões sociais de mundo. Em Bourdier um cinismo tácito (Contra Fogos).
            De outra forma, de tradição gramsciana, depara-se com a mesma tese embora com demonstração clara identidade de caráter orgânico. Neste caso a intelligentsia se estrutura para forjar os instrumentos de luta capazes de estabelecer uma nova ordem social e revolucionária. O intelectual orgânico se posiciona como organizador de uma cultura transformadora e a produção e de todo militante.
            Nesse caso a principal contribuição deste pensamento se estrutura assim como Lukács, na idéia de movimento e contradição (a antiteticidade das estruturas sociais para George Lukács) que envolve Estado e Sociedade Civil, posicionando os trabalhadores como classe a ser preparada, como intelectuais, o que resgata uma concepção marxista de uma classe com clareza histórica e teórica de seu papel social, a romper com a onipresença do Leviatã.
            Embora a crítica estabelecida acerca dessa trajetória histórico-teórica se remeta ao socialismo real, cabe refletir que para o nosso propósito os intelectuais não se revestem de independência, mas de uma organicidade cujo vínculo partidário, exige uma reflexão sobre o caráter de criticidade e autonomia frente ao contingente.

Contingente – Ser e Dever Ser.
            As reflexões apontadas denotam a impossibilidade de neutralidade sobre o conhecimento e seus usos. Denotam ainda uma dimensão prática do intelectual, o que exige reconhecer sua inserção em uma divisão social e técnica do trabalho.
            O propósito em evidenciar este processo  decorre mais do que a revelação de seu vínculo de classe, mas sobretudo da tomada de consciência de sua existência. Talvez este propósito seja nulo para o cientista social, mas ele não se estabelece para outros cientistas/intelectuais para os quais perdura, para além da cooptação e da mercantilização do conhecimento, da produção em si, portanto da dimensão da vida destes sujeitos, mas sim no plano cotidiano que se depara imediatamente com o poder ideológico, as noções de “desenvolvimento e contribuição social da pesquisa”.
            É neste processo que figuram duas questões reveladoras de dimensão social e política do conhecimento: a prática e a ética.
            Na dimensão prática encontra-se literalmente a vida, no sentido proposto por H. Lefebvre, que se vincula a uma ciência de resultado, que impossibilita a crítica e se desarticula, se fragmenta frente ao cotidiano.
            A lógica de filiação aos mandarinatos científicos e à lógica do brilho e do reconhecimento midiático, a lógica do produtivismo, embora tenham ressonância cotidiana, voltam para si como reflexo do real, numa perspectiva mecânica, narciso do espelhismo impede de visualizar-se como trabalhador, como classe, portador de uma lógica de acumulação e protagonizados da destruição da vida e do futuro.
            A subsunção do trabalho intelectual não se estabelece pelos modismos e pelas lógicas de financiamento público e privado, mas pela apropriação e reprodução ampliada de forma privada (mesmo em instituições públicas) do conhecimento e da sua extenuação produtivista.
            No plano do cotidiano o sujeito pesquisador é o “experto”, se realiza nos minutos midiáticos e nas recompensas das diferenciações sociais dos sujeitos pesquisadores. Na mercantilização do seu conhecimento a privatização e a consolidação de sua inserção no plano das classes, sem precisar qual capacidade perceptiva deste processo.
            Neste caso é que se faz necessário romper com a dimensão prática e estabelecer o plano ético. Romper com o plano do ser, da vida em si, em seu cotidiano fetichizado que o posiciona sem dever, ou sem devir é acrítico, porque não claramente teleológico (sem consciência?).
            A perspectiva ou plano ético, ou deontológico no pleno sentido do que se deve ser, retorna o elemento da crítica, inexistentes nos mandarinatos científicos, e exige tomada de consciência acerca do conhecimento e seu rebatimento sobre o cotidiano, a vida pública e política do ser social.
            Inaugurar a dimensão ética junto aos intelectuais é exigir novo comportamento, que não nega seu protagonismo, mas não se coloca como vanguarda, que reconhece uma posição de classe e os efeitos de seu pensar e a materialidade de conhecimento. Apresenta para si uma tarefa singular, embora não seja simples de revelar contradições, e pautar as trajetórias do possível, para a crítica e a reflexão conjunta; não se trata do caminhar seguro.
            Trata-se apenas do caminhar, para além do imediatismo do interesse, busca que o outro seja também portador do futuro caminhar, caminhar não somente como um método, mas como síntese de vida e cotidiano, com claro sentido do devir, compreendendo o contingente, mas não o projetando como sentido único do fazer ou como lógico do possível.


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